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quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Resumo: A danação do objeto: o museu no ensino de história

RAMOS, Francisco Régis Lopes. A danação do objeto: o museu no ensino de história. Ed. Argos: Chapeço. p178, 2004.

Notas sobre o autor:
Graduação em História (UFC - 1992), mestrado em Sociologia (UFC - 1996) e doutorado em História (PUC/SP - 2000). Desde 1994, é professor do Departamento de História da UFC.
Cargos administrativos: Diretor do Museu do Ceará (2000-2007), Diretor do NUDOC - Núcleo de Documentação Cultural da UFC (2009-2011).
 

Pesquisa atual:
Ao problematizar as temporalidades dos trabalhos da memória, o projeto desenvolve pesquisa sobre os modos pelos quais a oralidade, a escrita e a cultura material se constituem como dispositivos mnemônicos historicamente localizados. Trata-se, portanto, de uma abordagem a respeito da produção social da memória como parte dos acordos e das tensões que, a partir de um presente determinado, compõe vínculos com o passado e o futuro.
 
Breves sugestões para a antropofagia do autor
 
O texto de Ramos é apresentado pelo museólogo Mário Chagas, que eu sua sugestão de leitura ressalta de como a concepção de museu como um espaço de acumulação, nem sempre organizado, e que guardam “visões da morte”, local onde objetos são retirados de seus contextos e são congelados.

É a partir da desconstrução deste conceito que Mário direciona a leitura, chamando a atenção para a construção que Ramos faz de seu texto, a quarteto de pesquisa-museu-ensino-história, propondo o espaço do museu como “interdisciplinar por excelência”. 

Diálogos com Paulo Freire
 
Ramos inicia com uma das problemáticas dos museus históricos, a construção do saber histórico. Em seu entendimento o museu peca pela omissão em se articular como um lugar de produção de conhecimento. Não corresponde a transformar o museu um apêndice da escola, ou uma escolarização do museu, mas torna-lo mais didático, lúdico, provocativo, criar relações mais profundas e variadas com seus visitantes.
 
É para construir esta perspectiva, que os conceitos de Paulo Freire são inseridos no contexto do museu enquanto espaço “consciência crítica” de ensino. Ramos defende um trabalho para aprofundar as relações entre pesquisa histórica, ensino de história, museologia e a pedagogia de Paulo Freire.
 
Portanto, para o autor, não há museu inocente, qualquer exposição tem um alinhamento teórico e político, e os programas educacionais dos museus, não são avaliados pelo numero de visitantes, nem pelo plano pedagógico, mas por sua opção teórica e política.

Para Ramos, o espaço museológico é um lugar de processos educacionais, de atividades educativas, que não pode ser negada. Deve ser um espaço teoricamente fundamentado, de questionamentos, um convite para reflexões. É necessário pensar em como, porque, por quais meios deve ocorrer a inserção do museu, tendo em vista que é impossível descolar o museu da sala de aula.

O autor crítica os poderes públicos na confecção de seus currículos, no qual busca referências em outros autores, como o próprio Freire,  e Henry Giroux. Para ele o museu tem condições de articulado com outras instituições, em ser um dos responsáveis por uma renovação pedagógica, trazendo “o ato de aprender o compromisso com o ato vivido e os desejos de transformá-lo.”

A História dos objetos

Ramos expõe a perda das funções originais do objeto (uso) apresenta ao entrar no espaço expositivo, tendo seus valores transformados pelos mais diferentes interesses. Comenta sobre o objeto de elite, que compõem “a história de heróis e indivíduos de destaque”.p19
 
Este meio de expor figuras ilustres, raridades ou elementos exóticos, está relacionado com o conceito dos “Museus de História Natural” valorizados no século XIX, no auge da ciência, com o “ímpeto de enquadrar, classificar no domínio da enciclopédia”, reforçando-o como um local de fornecimento de dados e estatísticas.
 
O autor entende que toda exposição é um ato comunicativo, portanto, o museu é uma “instituição comunicativa”, e pode atuar de outra maneira, não apenas reproduzindo objetos de elite, mas propondo reflexões críticas para além somente dos objetos de elite.
Ramos afirma: “Se antes os objetos eram contemplados, ou analisados, dentro da suposta “neutralidade da ciência”, agora devem ser interpretados” p20. Com isso, existe uma alteração do museu-templo, para um museu-fórum, assumindo o caráter educativo e como lugar onde os objetos são expostos para compor um argumento crítico.
 
Este argumento crítico passa, de acordo com Ramos, antes de tudo pelo incremento de uma educação profunda, mais crítica, mais reflexiva. A questão é que o museu pode colaborar no  envolvido e sensibilização de seus visitantes. Ressalta  a importância de articulação com outras instituições, começando pela escola, na sala de aula, com atividades lúdicas, materiais do cotidiano, como indícios, para prover os visitantes/estudantes um meio para interpretar e refletir sobre o espaço museológico.
 
Os professores também precisam estar preparados para outro tipo de abordagem, outro meio de ir ao museu, indagar questões e temas, construir uma problemática relacionada ao que está exposto no museu e o cotidiano dos estudantes/visitantes, ampliando a própria noção de história e estimulando sobre a complexidade dos processos históricos.
 
Os museus também precisam alterar o modo com que recebem seus estudantes/visitantes. Os monitores não devem apenas expor o conteúdo da exposição, mas instigar os visitantes a perguntar, a se interessar e refletir sobre o que está sendo visto. É necessário abrir para um dialogo criativo, desafiar, um olhar não sobre o que o monitor informa, mas abrir a visibilidade para os objetos, e com isso levar a uma reflexão e conhecimento sobre como a história é presente e marcada no cotidiano de cada visitante, construindo os saberes coletivamente.
 
Ramos não acredita que a reflexão deva ocorrer apenas no museu, mas também fora dele, nos objetos que nos cercam:
Se pouco refletimos sobre nossos próprios objetos, a nossa percepção de objetos expostos no museu será também de reduzida abrangência. Sem o ato de pensar sobre o presente vivido, não há meios de construir conhecimento sobre o passado. [...] Conhecer o passado de modo crítico significa, ates de tudo, viver o tempo presente como mudança, com algo que não era, que está sendo e que pode ser diferente. Mostrando relações historicamente fundamentadas entre objetos atuais e de outros tempos, o museu ganha substância educativa, pois há relações entre o que passou, o que está passando e o que pode passar. Se aprendemos a ler palavras, é preciso exercitar o ato de ler objetos, de observar a história que há na materialidade das coisas.” p21

Nesta citação pode-se observar que o autor busca, por meios de uma estratégia de pesquisa-museu-ensino-história, de alargar o juízo crítico sobre o mundo que nos rodeia, partindo de uma “história dos objetos” articulada como uma “trama de contrastes que gera percepções sobre o jogo de dominação e resistência”. p.22
 
A exposição deve funcionar como:
 “Uma fonte de reflexão sobre as estratégias do poder dominante e as táticas de subversão da ordem estabelecida. [...] a história deixa de ser o passado morto para emergir como pretérito eivado de presente, pois a questão dos poderes em conflito também diz respeito ao mundo no qual vivemos.“ p23
 
Ramos retoma uma das questões do início do texto a metamorfose do objeto ao entrar no espaço de exposição, onde são colocadas lado a lado diferentes vozes, onde todos concorrem pelas mais diferentes posições que buscam levar o visitante a uma determinada posição. A exposição sempre é uma leitura possível, nunca um conhecimento acabado, nunca são dados expostos, mas modos de provocar reflexões.

O objeto gerador
 
Ramos apresenta sua aproximação com o conceito de Paulo Freire, “palavras geradoras”, propondo os “objetos geradores”. Assim, como as “palavras geradoras” são um meio de buscar uma alfabetização de um determino grupo com um conjunto de palavras que tivessem um profundo significado, para quem iria ser alfabetizado, o mesmo pode ocorrer com os objetos.
 
Os “objetos geradores” seriam aqueles responsáveis por motivar reflexões sobre as tramas entre sujeitos e objetos do cotidiano, entender que os objetos expressam traços culturais, são criadores e criaturas do ser humano.
 
São os “objetos geradores” que devem estabelecer um dialogo entre o que sabe, o que se vai saber, buscando na leitura dos objetos novas leituras.
 
As estratégias para desenvolver este dialogo, partem deste da escolha de como o objeto gerador foi elegido, até a criação de ficções ou narrativas que cada indivíduo deve efetuar para que cada participante do grupo compreenda e complexidade do objeto. Para Ramos o “importante é que seja construída a circunstância para que se fale sobre objetos da vida cotidiana”.
 
Com esta construção pedagógica, Ramos, busca ampliar a percepção da historicidade sobre a multiplicidade cultural “entranhada” nos objetos, a trama de valores em suas transformações.
 
O museu, portanto, não pode ser o espaço de objetos de elite, nem de fornecedor de dados, mas deve ser inserido em um mundo vivido, envolvido em múltiplas leituras, assumindo sua criação política.
 
Para esta perspectiva, a noção de múltiplas temporalidades é apresentada. Citando Bruno Latour, lembra como as multiplicidades temporais dos objetos estão marcadas no cotidiano, e faz que o uso que fazemos dos objetos e o uso do próprio objeto faz de nós, nunca ocorre em um presente puro. De acordo com Ramos: 

"Viver com objetos de variadas épocas não é avanço nem recuo de tempo, não é progresso nem atraso. Ter tal questão como ponto a ser levado em consideração significa romper com a ideia de que vivemos num progresso que fala do passado como uma coisa ultrapassada, que coloca o que passou como evolução para o mundo atual; [...] não somos nem modernos nem antigos”. p.36
 
Alinhando-se com este argumento de critica ao progresso linear e contínuo e sua única temporalidade, Ramos, cita alguns comentários sobre Raymond Williams, que defendia que nenhum artefato constituído de heterogeneidades pode ser estudado como uma entidade estática e já definida, mas que os artefatos são culturais e se fazem de contrastes, são compostos de tempos e experiências sociais diferenciadas.
 
Encerra seu texto com seguinte paragrafo:
"Na multiplicidade dos tempos, interessa esmiuçar as várias dimensões sociais que caracterizam a criação e o uso dos objetos. Torna-se fundamental estudar como os seres humanos criam e usam objetos. Por outro lado, é igualmente necessário refletir sobre as formas pelas quais os objetos criam e usam os seres humanos." p.36